Um ano após a tragédia, o Japão ainda tenta tratar as feridas do tsunami

Uma criança  de Minamisoma, a 25 km de Fukushima, é sujeita a medições de radiação
Uma criança de Minamisoma, a 25 km de Fukushima, é sujeita a medições de radiação (Foto: Reuters)Eram 14h46 de 11 de Março de 2011 no Japão quando a Terra abanou, com uma violência rara. E 41 minutos depois, chegou a onda gigante, que se abateu sobre a costa noroeste do Japão, causando uma catástrofe complexa, que incluiu o pior acidente nuclear civil da história desde Tchernobil, que para os japoneses se designa por uma data, tão simples como para os norte-americanos se tornou o 9/11: o sismo, terramoto e acidente da central de Fukushima são simplesmente o “3/11”.

A tragédia que fez mais de 19 mil mortos (3000 dos quais desaparecidos) e 326 mil desalojados não deu tréguas ao Japão, passado um ano. Se não se pode dizer que alguém tenha morrido devido à radioactividade libertada pelos reactores da central de Fukushima, a herança da central será longa. Levará décadas a desmontar, até os reactores e o combustível que contêm arrefecerem o suficiente para poderem ser desmantelados em segurança. E grande parte do Césio 137 radioactivo libertado foi para o mar: os efeitos no ecossistema marinho deverão vir a revelar-se nas próximas décadas, pois tem uma meia-vida de 30 anos.

E há tudo o que se soube entretanto, da confusão e da incompetência do Governo, da Tokyo Electric Power Company (Tepco), a empresa proprietária da central nuclear, que não tinha um plano de emergência para lidar com uma situação em que um tsunami inactivasse o sistema de arrefecimento dos reactores, a confusão geral das autoridades.

Os ministros pensaram logo na possibilidade da fusão dos reactores, mas recusaram-se a dar qualquer sinal disso para o público, revelam minutas oficiais dadas a conhecer na sexta-feira. “Quem é verdadeiramente o líder da operação? Tenho demasiadas ordens e pedidos incompreensíveis”, queixou-se o ministro da Segurança Interna na altura, Yoshihiro Katayama, citado nos documentos agora revelados, citados pela Reuters.

Quanto à reconstrução, avança de passo de caracol. A agência responsável por coordenar como os vários ministérios gastarão o orçamento de 175 mil milhões de dólares (133,4 mil milhões de euros) aprovado para reconstruir as vilas, aldeias e cidades arrasadas pelo terramoto e tsunami só começou a funcionar em Fevereiro — quase um ano após o tsunami.

Os destroços feitos pela onda gigante acumulam-se ao longo da costa nordeste do Japão, arrumados mas transformados em marcos que ameaçam tornar-se permanentes na paisagem: 22,5 milhões de toneladas de destroços, o equivalente a 20 anos de resíduos sólidos urbanos, em termos de processamento. Até agora, só 6% foram tratados de forma definitiva.

Trauma e desconfiança


Há quem só sonhe em regressar à sua casa, há quem desespere de voltar, nomeadamente os que viviam na zona de exclusão de Fukushima (os que viviam num raio de 20 quilómetros em torno da central nuclear). Há até relatos de um emissário de Fukushima que terá ido à Coreia em busca de terras semelhantes às da nordeste do Japão, onde se pudesse instalar um grupo de emigrantes de Fukushima, relata a AFP: “Veio com vários promotores imobiliários e disse que queria comprar terrenos num local parecido com Fukushima, como o nosso condado, ou então em Jeju”, uma ilha no sul da Coreia, disse à agência um responsável do condado de Jangsu, no sudoeste da Coreia do Sul.

O trauma nas populações é muito grande. “Passar-se-ão anos até todas as consequências psicológicas aparecerem. Tenho a certeza de que a taxa de suicídios vai aumentar no Nordeste”, disse à revista alemã “Der Spiegel” o psiquiatra Jun Shigemura, que tem prestado apoio psicológico aos trabalhadores da central nuclear de Fukushima, num projecto apoiado pelo Governo.
As autoridades não têm ajudado a criar um clima de confiança – muito pelo contrário. Aquilo a que se assistiu no último ano foi ao surgir de uma grande desconfiança do Governo, da indústria nuclear – que antes tinha grande apoio popular – e do conluio do governo com os industriais.

“As pessoas estão confusas e suspeitam das autoridades. Neste ambiente, os rumores e a desinformação espalham-se rapidamente”, explica o psiquiatra Shigemura. E a comunicação do Governo e da Tepco foi má. O relatório preliminar do inquérito ao acidente, e o realizado por uma fundação privada, revelam que não só houve descoordenação como o que parece ser verdadeira incompetência e vontade de não informar o público.

Há o caso de Namie, por exemplo, uma vila evacuada por estar perto da central. Mas os seus habitantes foram encaminhados por um percurso que os levava para o local onde nessa altura estava a maior concentração de radioactividade – mas essa informação não foi divulgada, simplesmente para não gerar pânico.Mas tem havido revelações de falsificação sistemática de relatórios de segurança das centrais da Tepco, e de relações demasiado próximas com a agência reguladora da energia nuclear – que era dependente do Ministério da Economia, Comércio e Indústria, responsável por promover a indústria nuclear. A partir de Abril, a autoridade reguladora deixa de estar sob essa alçada, passará para o Ministério do Ambiente.

O Estado deverá nacionalizar a Tepco, a partir de Junho, quando lhe injectar o equivalente a 13 mil milhões de dólares em fundos públicos, para que a empresa possa pagar as indemnizações devidas. Nessa altura, os 17 directores devem ser afastados. Hoje, a Tepco tem efectivamente um monopólio no fornecimento de electricidade à área metropolitana de Tóquio, um mercado de 45 milhões de pessoas.

Nuclear não?


Hoje, a maioria dos japoneses está contra a construção de mais reactores, e exigiu uma revisão de segurança das centrais já existentes. Neste momento, dos 54 reactores nucleares operacionais no Japão em 2010, só dois estão agora a funcionar. Uma parte está parada para manutenção ou testes de segurança e outra, apesar de já concluídas estas operações, aguardam autorização local para reiniciarem a produção. Mas, para dar a luz verde, as autoridades locais querem agora garantias acrescidas de que as centrais são seguras.

Com a elevada probabilidade de derrapagem destas decisões, e dado que os dois últimos reactores deverão também encerrar para inspecções em Maio, o Japão vai entrar no Verão sem nenhuma produção eléctrica de origem nuclear. Não é pouca coisa. Em 2011, segundo dados da Agência Internacional de Energia Atómica, mesmo tendo já reduzido a sua quota no mix da electricidade para 18%, as centrais japonesas contribuíram com 156 mil gigawatts-hora para a rede – cerca de três vezes o consumo eléctrico anual em Portugal.

Da noite para o dia, o Japão está confrontado com a necessidade de encontrar uma alternativa para suprir 30% do seu consumo eléctrico, de modo a evitar cortes no abastecimento – que não estão fora de questão este ano. No imediato, só é viável optar única opção viável pelas centrais térmicas a gás e a carvão.

O país quer também acelerar a introdução das renováveis, de modo a atingirem 20% do consumo já em 2020.
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