Por Elio Gaspari, na Folha de S. Paulo desta quarta-feira 02/11
As pessoas que estão reclamando porque Lula não foi tratar seu câncer
no SUS dividem-se em dois grupos:
um foi atrás da piada fácil, e ruim;
o outro, movido a ódio, quer que ele se ferre.
Na rede pública de saúde, em 1971, Lula perdeu a primeira mulher e um
filho.
Em 1998, o metalúrgico tornou-se candidato à Presidência da
República e pegou pesado:
"""‘Eu não sei se o Fernando Henrique ou algum
governador confiaria na saúde pública para se tratar""".
Nessa época acusava o governo de desossar o SUS, estimulando a
migração para os planos privados.
Quando Lula chegou ao Planalto, havia 31,2 milhões de brasileiros no mercado de planos particulares.
Ao deixá-lo, essa clientela era de 45,6 milhões, e ele não tocava mais no assunto.
Em 2010, Lula inaugurou uma Unidade de Pronto Atendimento do SUS no Recife dizendo que ‘ela está tão bem localizada, tão bem estruturada, que dá até vontade de ficar doente para ser atendido’.
Horas depois, teve uma crise de hipertensão e internou-se num hospital privado.
Lula percorreu todo o arco da malversação do debate da saúde pública.
Foi de vítima a denunciante, passou da denúncia à marquetagem oficialista e acabou aninhado no Sírio-Libanês, um dos melhores e mais caros hospitais do país.
Melhor para ele. (No andar do SUS, uma pessoa que teve dor de ouvido e sentiu algo esquisito na garganta leva uns 30 dias para ser examinada corretamente, outros 76, na média, para começar um tratamento quimioterápico, 113 dias se precisar de radioterapia.
No andar de Lula, é possível chegar-se ao diagnóstico numa sexta e à químio, na segunda.
A conta fica em algo como R$ 50 mil.)
Lula, Dilma Rousseff e José Alencar trataram seus tumores no Sírio.
Lá, Dilma recebeu uma droga que não era oferecida à patuleia do SUS.
Deve-se a ela a inclusão do rituximab na lista de medicamentos da saúde pública.
Os companheiros descobriram as virtudes da medicina privada, mas, em nove anos de poder, pouco fizeram pelos pacientes da rede pública.
Melhoraram o acesso aos diagnósticos, mas os tratamentos continuam arruinados.
Fora isso, alteraram o nome do Instituto Nacional do Câncer, acrescentando-lhe uma homenagem a José Alencar, que lá nunca pôs os pés.
Depois de oito anos: 1 em cada 5 pacientes de câncer dos planos de saúde era mandado para a rede pública.
Já o tucanato, tendo criado em São Paulo um centro de excelência, o Instituto do Câncer Octavio Frias de Oliveira, por pouco não entregou 25% dos seus leitos à privataria.
(A iniciativa, do governador Geraldo Alckmin, foi derrubada pelo Judiciário paulista.)
A luta de José Alencar contra ‘o insidioso mal’ serviu para retirar o estigma da doença. Se o câncer de Lula servir para responsabilizar burocratas que compram mamógrafos e não os desencaixotam (as comissões vêm por fora) e médicos que não comparecem ao local de trabalho, as filas do SUS poderão diminuir.
Poderá servir também para acabar com a política de duplas portas, pelas quais os clientes de planos privados têm atendimento expedito nos hospitais públicos.
Lula soube cuidar de si.
Delirou ao tratar da saúde dos outros quando, em 2006, disse que ‘o Brasil não está longe de atingir a perfeição no tratamento de saúde’.
Está precisamente a 33 quilômetros, a distância entre seu apartamento de São Bernardo e o Sírio.
Elio Gaspari
É comentarista do jornal Folha de S. Paulo, jornal diário de São Paulo, onde está radicado, tendo seus artigos difundidos para outros jornais, dentre os quais O Globo do Rio de Janeiro, Correio do Povo de Porto Alegre e O POVO de Fortaleza.
Nos Videos abaixo do Programa Profissão Repórter da Rede Globo:
As dificuldades passadas por quem depende de hospitais públicos. A briga judicial por uma vaga na UTI. Jovem passou por cinco hospitais paulistanos antes de morrer. Nossos repórteres tentam mostrar a emergência do maior hospital do Nordeste.
Caco Barcellos acompanha o drama de quem precisa da Justiça para obter uma vaga na UTI em Brasília.
Raphael Prado faz o percurso de Laura, uma jovem de 23 anos que morreu após passar por cinco hospitais e não ser atendida em tempo hábil para o tratamento de uma trombose.
Paula Akemi e Gabriela Lian tentam mostrar como é a emergência do maior hospital de Nordeste, no Recife.
Hospitais dão suas versões sobre a situação das emergências
A história do homem que morreu por não ser internado, mesmo com medida judicial favorável. Câmera escondida mostra emergência no Recife.
A história de Werley, que não foi internado na UTI mesmo após obter liminar favorável ao atendimento.
Autoridades em Brasília, São Paulo e Recife dão suas versões sobre o atendimento nas emergências.
Emergência do hospital de Recife é mostrada por meio de uma câmera escondida. No Hospital de Base, em Brasília, pacientes sofrem dores, mas não são atendidos.
Nota:
Continuamos na torcida pela melhora na saúde do ex presidente Lula, assim como também torcemos pela melhora da saúde no Brasil.
Abraços a todos
Célio
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